Há 75 anos, nascia a pioneira TV Tupi de São Paulo

A aventura da montagem da primeira emissora da América do Sul

Por Maurício Viel

No dia 18 de setembro de 1950, São Paulo presenciava um momento histórico: a inauguração da TV Tupi de São Paulo, a primeira emissora de televisão do Brasil e de toda a América do Sul. O feito, fruto da obstinação de Assis Chateaubriand e do grupo Diários e Emissoras Associados, foi resultado de um processo de montagem que misturou ousadia empresarial, improvisos e uma engenharia complexa, capaz de colocar o país na vanguarda mundial da comunicação.

A central de produção foi instalada no bairro do Sumaré, na chamada Cidade do Rádio, onde funcionavam as rádios Tupi e Difusora. O espaço escolhido abrigava antenas de Ondas Curtas, Ondas Médias e até um campinho improvisado onde os artistas do rádio se divertiam em partidas de peteca. Foi ali, em fevereiro de 1949, que Chateaubriand, acompanhado de engenheiros da RCA, interrompeu um desses jogos para medir o terreno e anunciar que ali seriam erguidos os estúdios da televisão. Os próprios funcionários duvidaram da ideia, achando que a novidade só chegaria ao Brasil dali a uma ou duas décadas. Mas o empresário estava decidido a implantar, em caráter comercial, um veículo que até então só existia nos Estados Unidos.


Estúdios da TV Tupi, no Bairro do Sumaré. Estrutura atualmente abriga as instalações do canal ESPN.

O projeto dos estúdios ficou a cargo do engenheiro Dorvalino Mainieri, e seguiu os rígidos padrões técnicos da RCA. Foram erguidos dois estúdios principais, além de sala de controle, cabine de locução e espaços para telecine e projeção de filmes. As paredes duplas garantiam a acústica necessária, os pisos foram feitos de ipê, e um sistema de iluminação moderno permitia a movimentação de holofotes suspensos por uma estrutura de tubos próxima ao teto. Tudo foi concluído em apenas três meses de obras em 1950, após a realocação de setores da Rádio Difusora.

Enquanto os estúdios eram preparados, os equipamentos RCA vinham dos Estados Unidos. Em janeiro de 1950, um carregamento de 24 toneladas saiu da Filadélfia rumo ao Porto de Santos, a bordo do cargueiro S.S. Mormacyork. Entre os 207 volumes estavam o transmissor de 5 kW, a antena Superturnstile de 18 metros, três câmeras TK-30, projetores de filmes, monitores, controles de áudio e vídeo e até uma unidade móvel especialmente montada sobre um furgão Chevrolet. A chegada da carga ao Brasil foi tratada como um acontecimento social: houve recepção a bordo do navio, shows no Cine Coliseu de Santos e até um desfile das carretas que transportaram os equipamentos pela Via Anchieta até São Paulo, ostentando faixas que anunciavam “A primeira televisão da América Latina”.

Mas a grande vitrine da tecnologia não estava somente no Sumaré, mas também no coração da cidade. Para instalar a antena transmissora do canal 3, os engenheiros brasileiros e da RCA concluíram que o ponto ideal seria o topo do recém-inaugurado edifício do Banco do Estado de São Paulo, futuramente chamado de “Altino Arantes”, então o maior arranha-céu de concreto armado do mundo fora dos Estados Unidos.

No 34º andar foi montada a sala do transmissor, enquanto no pináculo do prédio, a 161 metros de altura, ergueu-se a antena RCA. A operação foi arriscada: andaimes de madeira com 30 metros de altura cercaram o farol do edifício, e operários tiveram de carregar pesadas válvulas, cabos e peças por escadas estreitas. Muitos degraus chegaram a ser quebrados para que as partes do transmissor pudessem passar. Durante dias, os paulistanos se reuniam no centro para observar, com o pescoço erguido, a lenta subida dos estágios da antena, que se tornaria o símbolo da chegada da televisão.

Estrutura de madeira construída provisóriamente para instalação da antena do canal 3, no centro de São Paulo. (Acervo Família Mainieri)

A montagem mobilizou engenheiros brasileiros e norte-americanos, com destaque para Walter Obermüller, da RCA, e Mário Alderighi, diretor-técnico das Emissoras Associadas, auxiliados por jovens técnicos como Jorge Edo e Elio Tozzi. Paralelamente, formava-se também a equipe artística e de produção, liderada por Dermival Costa Lima, então diretor artístico das rádios Tupi e Difusora, que assumiu a direção-geral da nova emissora, com Cassiano Gabus Mendes, de apenas 23 anos, como seu braço direito. Vindos do rádio, atores, locutores e técnicos aprenderam na prática a fazer televisão, muitas vezes acumulando funções e descobrindo, diante das câmeras, como adaptar o radioteatro e os programas de auditório ao novo meio.

Em setembro de 2025, 75 anos depois, a lembrança daquelas semanas intensas de montagem continua a impressionar. No Brasil, onde ainda se modernizava em várias frentes, se ousou inaugurar uma emissora de televisão comercial antes mesmo de países europeus, colocando São Paulo entre as capitais pioneiras da era eletrônica. O improviso, o esforço coletivo e a visão de Chateaubriand transformaram em realidade o que parecia um devaneio: a televisão brasileira, inaugurada em 18 de setembro de 1950, como símbolo da modernidade e marco cultural que mudaria para sempre a relação dos brasileiros com a comunicação e o entretenimento.

A pré-estreia da TV Tupi: Frei Mojica e as primeiras imagens da televisão no Brasil

As primeiras experiências de televisão aconteceram em julho, no auditório da sede dos Diários Associados, na Rua 7 de Abril, 230, no Centro, onde Assis Chateaubriand, técnicos da RCA e das Emissoras Associadas, além de artistas das rádios Tupi e Difusora televisionaram apresentações que, inicialmente, iriam ser transmitidas apenas pelas rádios do grupo, mas que, de última hora, Chateaubriand determinou que as imagens e som também fossem mostradas em circuito interno para os convidados e para a população localizada dentro do edifício e nas imediações. Ainda ainda não era possível transmitir os eventos pelo ar, devido os equipamentos de transmissão estarem no estágio final de montagem. Foi ali, portanto, no coração da cidade, que a televisão brasileira se apresentou pela primeira vez ao público em caráter experimental, semanas antes da inauguração oficial, em 18 de setembro.

Público se aglomera no hall do edifício dos Diários Associados, na R. 7 de Abril, para ver em dois receptores a apresentação experimental com o Frei Mojica.

A estrela das apresentações foi o Frei José Mojica, famoso tenor mexicano, astro do cinema em Hollywood e na América Latina, que renunciou a carreira artística para se dedicar à vida religiosa. Tornou-se o primeiro artista a se apresentar para as lentes da televisão no Brasil.

Mojica, de hábito franciscano, posicionou-se diante das câmeras e entoou suas canções. Pela primeira vez, aqueles que assistiam não apenas ouviam sua voz, mas também viam seus gestos e expressões em tempo real, transmitidos para as telas dos televisores instalados na sede dos Diários Associados. A emoção foi imediata: os poucos presentes, muitos acostumados apenas ao rádio ou ao cinema, perceberam que estavam diante de algo inédito, que misturava a proximidade do auditório radiofônico com a magia da imagem ao vivo. Aquilo era, de fato, o espetáculo da televisão se anunciando no Brasil.

As experiências com Mojica foram o estopim para uma sequência de transmissões experimentais. Cassiano Gabus Mendes assumiu a direção de pequenas produções em filme de 16 mm, registrando apresentações musicais e esquetes de artistas das rádios Associadas. Nomes como Ivon Curi, Império Argentina, Carlo Buti, Jean Sablon, além das jovens Hebe Camargo e Lolita Rodrigues, participaram dessas gravações que, exibidas nos testes, davam ao público uma ideia de como seria a futura programação. Também se recorreram a desenhos animados importados, exibidos em inglês e sem legendas, que provocavam tanto encantamento quanto estranhamento entre os primeiros espectadores.

A Fase Experimental: Nos céus de São Paulo, o sinal do Canal 3

Antes da inauguração oficial da PRF-3 TV Tupi, em 18 setembro de 1950, São Paulo já vivia a expectativa da chegada da televisão. No dia 24 de julho daquele ano, foi colocado no ar, pela primeira vez, o poderoso transmissor RCA modelo TT-5A, instalado no topo do edifício do Banco do Estado de São Paulo. Com 5 kW de potência, ele iniciava a era das transmissões televisivas no Brasil.

O início da fase experimental do canal 3 estava sincronizado com a chegada a São Paulo dos primeiros 100 receptores RCA, vindo dos Estados Unidos a pedido dos Diários Associados e da representante da RCA no Brasil, a loja Cássio Muniz. Dezenas de receptores foram distribuídos estrategicamente em pontos movimentados da cidade, como as vitrines do Mappin e da Mesbla, confeitarias e bares da Praça da Sé, lojas na Rua José Bonifácio e no Largo do Paiçandu, além do próprio saguão dos Diários Associados. Os aparelhos serviam tanto para testar a qualidade da transmissão quanto para apresentar a novidade à população. A televisão, até então apenas uma promessa tecnológica, se transformava em realidade.

A antena RCA do Canal 3, instalada no topo do edifício que hoje é chamado de Farol Santander.

Nos primeiros dias, as transmissões experimentais eram simples: entrava no ar a imagem-padrão da RCA, o famoso test-pattern. Curiosamente, o desenho mostrava a cabeça de um indígena norte-americano da tribo Sioux — e não de um tupi, como poderia sugerir o nome da emissora. Popularizado como “Cabeça de Índio”, o padrão tornou-se símbolo da fase experimental da televisão brasileira. Mais do que um ícone curioso, sua função prática era permitir aos técnicos ajustar a imagem e o som, além de servir como guia para que os próprios lojistas e telespectadores calibrassem contraste e brilho em seus aparelhos.

A partir do dia 16 de agosto, as transmissões ganharam novo fôlego, passando a incluir programas regulares especiais, sempre entre 17h e 19h. Eram exibidos filmes curtos, com apresentações musicais realizadas por Cassiano Gabus Mendes e suas equipes técnicas e artísticas. 

Multidões se formavam diante das telas, atraídas pela novidade, a ponto de o trânsito ser afetado em algumas esquinas do centro. Os jornais registraram a curiosidade e o assombro: homens engravatados se amontoavam nas lojas de departamentos para ver filmes e apresentações musicais; transeuntes interrompiam a caminhada para se aglomerar diante de aparelhos expostos em confeitarias.

Para o público, aquilo parecia magia. Para os engenheiros e técnicos envolvidos, tratava-se de um ensaio geral antes da grande estreia que mudaria a história da comunicação no Brasil. Foram, ao todo, 23 dias de transmissões experimentais do canal 3.

Passados 75 anos, lembrar dessa fase experimental é compreender que a televisão brasileira não nasceu de um ato único, mas de uma série de ensaios, improvisos e ousadias.

Inauguração oficial

Na tarde de 18 de setembro de 1950, a TV Tupi inaugurou oficialmente a televisão brasileira com uma cerimônia nos estúdios do Sumaré, em São Paulo: por volta das 17h, foram ao ar as primeiras imagens e discursos — com destaque para Assis Chateaubriand — em uma solenidade que apresentou o novo meio e seus equipamentos ao país; relatos também registram a presença de autoridades e benção religiosa, além da participação da poetisa Rosalina Coelho Lisboa como madrinha simbólica do moderno equipamento. À noite viriam as atrações artísticas, mas foi esse ato vespertino que formalizou a entrada da PRF-3 TV Tupi no ar e marcou o nascimento da TV no Brasil.

Cena da solenidade de inauguração da TV Tupi, realizada na tarde de 18 de setembro de 1950. Vê-se Lolita Rodrigues (esq), o apresentador Homero Silva e o fundador Assis Chateaubriand.

TV na Taba

O programa “TV na Taba”, exibido na noite de 18 de setembro de 1950, marcou a inauguração da TV Tupi de São Paulo e, consequentemente, o início oficial da televisão no Brasil. Produzido e apresentado por Cassiano Gabus Mendes, o especial foi transmitido ao vivo diretamente dos estúdios do Sumaré e contou com atrações variadas, como números musicais, esquetes de humor e participações de artistas renomados da época, entre eles Lima Duarte, Mazzaropi e Hebe Camargo. Inspirado no formato de revista eletrônica, o programa buscava apresentar ao público a novidade da televisão como espetáculo, misturando entretenimento e informação, e entrou para a história como o primeiro passo da TV brasileira.

Legado e Cassação

A TV Tupi teve papel fundamental na formação da cultura de massa do país. Foi pioneira na criação de formatos que se tornaram clássicos, como as telenovelas — "O Direito de Nascer", por exemplo — e os programas de auditório, como o "Clube dos Artistas" e o "Alô, Doçura!". Também lançou ícones da comunicação, entre eles Hebe Camargo e Lima Duarte, consolidando-se como a maior referência televisiva das décadas de 1950 a 1970.

No entanto, a emissora enfrentou sérias dificuldades financeiras e administrativas a partir dos anos 1970. Problemas de gestão, concorrência acirrada com a Rede Globo e dívidas acumuladas levaram a uma crise irreversível. Em julho de 1980, por decisão do governo federal, a Rede Tupi de Televisão teve sete concessões de emissoras próprias cassadas, inclusive as geradoras do Rio de Janeiro e de São Paulo, encerrando um ciclo de 30 anos que iniciou e deu forma à televisão brasileira.

O logotipo da Rede Tupi que ficou mais tempo no ar.

Para aprofundar o tema, acesse gratuitamente o e-book "TV Tupi - Do Tamanho do Brasil", de Maurício Viel e Elmo Francfort, publicado pela ABERT – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão em 2020, com versão ampliada lançada em 2022. O endereço é memoria.abert.org.br/tv-tupi-do-tamanho-do-brasil-versao-ampliada-2022.



Comentários

  1. Parabéns aos pioneiros da televisão brasileira/ TV TUPI inigualável

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